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Maternidade tardia, uma opção entre as mulheres

Os papéis femininos mudaram. Há poucas décadas, as mulheres precisavam ser boas esposas, boas donas de casa e boas mães. Hoje, saíram do espaço privado para o público e atuam em praticamente todas as áreas, incluindo aquelas de domínio historicamente masculino. Suas prioridades são outras. Querem estudar mais, dedicar-se ao crescimento profissional e conquistar a independência financeira, o que as faz, muitas vezes, postergarem a maternidade.
 
Segundo a pesquisa Estatísticas do Registro Civil 2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve, nas duas últimas décadas, uma progressiva mudança na estrutura de faixa etária em que as mulheres têm filhos. Em 1998, a maior parte dos nascimentos registrados eram de crianças cujas mães tinham até 24 anos, o equivalente a 51,8% do total. Dez anos depois, em 2008, houve redução para 47,9% e, em 2018, foi de 39,4%. A partir dos 30 anos, no entanto, os dados mostram que ocorreu o inverso. Os percentuais se elevaram, saindo de 24,1% para 36,6%, um aumento de 52%.
 
Professor de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná, o Dr. Karam Abou Saab avalia que essa é uma modernidade irreversível. “A mulher está lutando pelo seu espaço na sociedade, com muito êxito. Então, ela primeiro se dedica à sua formação, seus estudos, para depois se preocupar em reproduzir e às vezes até em casar. E o que acontece? A fertilidade da mulher tem o pico máximo até os 30 anos. Depois dos 35, decai bastante. Após os 40, despenca e, aos 45, se encerra. E muitas estão procurando engravidar depois dessas idades, quando a fertilidade já está muito comprometida”, diz. Ele explica que os óvulos já nascem com a mulher e vão apenas maturar a cada ciclo menstrual. “Portanto, os que ovularem quando ela tiver 20 anos, terão igualmente 20 anos, e quanto tiver 40, também terão 40 anos. E óvulos que ficam armazenados por quatro décadas adquirem anomalias genéticas com mais facilidade, atingindo 80% deles. E isso já limita a chance de gravidez, aumenta o risco de abortos e o índice de bebês com alterações genéticas, como a Síndrome de Down, por exemplo, que é a mais comum”, destaca.
 
E tem como resolver isso? Dr. Karam alerta às mulheres para não postergarem a maternidade sem um motivo muito sério, pois, se deixarem o tempo passar, pode ser que a gravidez não venha. Mas, ele conta que, hoje, lança-se mão de técnicas de reprodução assistida, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro, para solucionar a infertilidade e praticamente todos os casos são bem-sucedidos.

Inseminação e fertilização in vitro

A inseminação artificial consiste em coletar o sêmen do marido ou companheiro, tratar os espermatozoides para ficarem mais ativos, selecionados e concentrados, e colocá-los no fundo uterino e nas tubas, também denominadas de trompas de Falópio, no dia fértil da mulher, que é determinado por meio de exames de ultrassom. Pode ser feita em ciclos naturais, sem a estimulação da ovulação, ou com medicamentos indutores, objetivando a produção de dois ou três óvulos. “É um procedimento simples e indolor, com uma chance de sucesso em torno de 15% a 20%”, informa o Dr. Karam, acrescentando que, quando a inseminação não acontece ou não está indicada, como, por exemplo, na obstrução tubária bilateral ou no caso de espermatozoides muito deficientes em número ou qualidade, utiliza-se a fertilização in vitro.
 
Nessa técnica, todo o tratamento, considerado seguro e simples, é realizado dentro de um ciclo menstrual. Até o terceiro dia é feito exame ultrassonográfico para avaliar os ovários e útero e, não havendo alterações, são iniciadas medicações indutoras de ovulação. Após dois dias, puncionando os ovários, é promovida a captação dos óvulos, que ficam guardados em incubadoras específicas. Os embriologistas preparam amostra de sêmen coletada do marido e escolhem os melhores espermatozoides. Caso não existam no material, eles são retirados diretamente do testículo.
 
Na sequência, a fecundação é processada em laboratório, por fertilização espontânea ou injeção intracitoplasmática, na qual, com o auxílio de um microscópio robotizado e agulhas mais finas que um fio de cabelo, é injetado um espermatozoide no interior de cada óvulo. Os embriões formados começam, então, a se dividir, evoluindo diariamente. E aqueles com melhor potencial são transferidos para o útero da futura mãe, um procedimento também indolor, cujas possibilidades de sucesso são de 40%, 50% ou até 60%.

Como preservar o óvulo bom

Responsável pelo nascimento do primeiro “bebê de proveta” do Paraná, em 1986, tornando o estado o segundo do país a dominar a técnica, o professor Karam informa que, nos procedimentos de reprodução assistida, o que se precisa é de óvulos e espermatozoides saudáveis e do útero. “Sem isso, não conseguimos uma gestação”, ressalta. Ele menciona que a idade não traz muita complicação para o homem, pois a produção de espermatozoides se renova a cada 90 dias e a qualidade genética é quase a mesma aos 20 ou 80 anos, o que não ocorre com os óvulos. Por isso, a idade da mulher é preocupante.

Para se preservar o óvulo bom, existe o congelamento, que resguarda a fertilidade indefinidamente. “A mulher solteira, ou aquela que posterga por outros motivos, pode congelar os óvulos e deixar para ter seu filho depois dos 40, 45 anos. Mas, é importante que esse processo seja feito antes dos 35, congelando o máximo de óvulos possível, o mais jovem e saudável possível. Se a mulher for casada e ainda não puder engravidar, também pode congelar embriões, que se preservam melhor, uma vez que são utilizadas técnicas conhecidas há mais tempo e mais seguras. Porém, é preciso que esse embrião seja usado pelo casal, pois, caso haja uma separação, cria-se um dilema ético importante. Congelar óvulos, portanto, parece mais prático e menos complicado. Embora ainda um pouco menos eficiente, é a opção da preservação social da fertilidade”, diz. É o chamado congelamento social.
 
Existe também o congelamento médico. Aquela mulher que tem alguma doença ou câncer, por exemplo, que será submetida a quimio ou radioterapia, o que pode destruir a sua fertilidade, tem a opção de congelar óvulos para utilizar depois de curada, caso a sua produção acabe. Chama-se preservação da fertilidade ou oncofertilidade.

Doação de óvulos

E o que fazer quando a população de óvulos acaba ou quando os óvulos não têm mais qualidade para gerar um bebê? Dr. Karam instrui que é possível recorrer à doação de óvulos, o que é muito comum atualmente. Ele informa que existe a possibilidade dessa doação ocorrer entre pacientes da própria clínica de fertilização. É a doação compartilhada, na qual uma mulher em tratamento doa o óvulo para outra que não tem.
 
“Isso funciona muito bem. São óvulos jovens, de pacientes com menos de 35 anos. E a chance da mulher que recebe é até superior à da doadora, porque ela não se submete à indução de ovulação e retirada de óvulos. E os resultados são maravilhosos porque é totalmente sigiloso. O espermatozoide é do marido, a gestação é na própria mulher e ninguém precisa saber se esse óvulo é doado ou não. Hoje, indica-se doação de óvulo para praticamente 20% dos casais que tratam infertilidade porque a idade já avançou ou os ovários pararam de produzir óvulos. E vou fazer um prognóstico sem base científica ainda, mas eu acredito que, no futuro, na fertilização in vitro e na reprodução assistida, talvez se utilize mais óvulos doados do que da paciente, pela maneira como as coisas estão evoluindo. As mulheres estão avançando na sociedade e postergando a maternidade, o que está cada vez mais frequente”, pontua.
 
Atualmente, conforme o professor, as clínicas especializadas em fertilidade recebem mulheres em média com 38 anos. “Algumas vêm jovens, outras bem mais tarde, porque, de um modo geral, as que têm dificuldade em engravidar procuram antes seus ginecologistas e tentam os tratamentos convencionais. Quando estes falham ou tornam-se ineficazes, esse profissional as encaminha para nós, o que acaba acontecendo já nessa idade, que é boa ainda”, ressalta. E a grande maioria dos casos têm solução, de acordo com ele. “Se não tiver óvulo, pode pegar doado; se não tiver espermatozoide também, e, não tendo útero, pode emprestar. Tudo isso é factível e legal, dentro das normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Pode não engravidar na primeira tentativa, mas acaba engravidando na segunda, terceira, desde que não haja nenhum empecilho”, salienta.
 
Dr. Karam diz, ainda, que hoje também já se congela pedaço de ovário: “mais de cem crianças já nasceram no mundo por meio dessa técnica. Congela-se e depois descongela-se, podendo ser implantado no próprio ovário, se a mulher ainda tiver, ou na pelve, que ela engravida naturalmente”.
 
Quanto aos custos da reprodução assistida, comenta que até um tempo atrás achava-se que era impraticável, inviável, mas hoje existem planos e programas que atendem todos os níveis sociais, além da redução dos valores com a repetição do tratamento. “Então, todos os casais podem procurar porque, de alguma forma, serão atendidos”, orienta.
 
Informa, ainda, que existe um programa implantado pelo centro de fertilidade que dirige, para facilitar o acesso dos casais inférteis de baixa renda. O objetivo é suprir uma lacuna na assistência médica pública, que oferece poucos serviços, e na de convênios, que não cobre tratamento, proporcionando também um aprendizado aos médicos residentes.
 
“Os tratamentos estão cada vez mais difundidos e acessíveis. Toda cidade de porte médio já tem uma clínica de reprodução assistida”, assinala. O que mais preocupa realmente é a postergação demasiada da maternidade pelas mulheres, pois já está afetando sua capacidade reprodutiva. “Mas isso, como eu disse, não tem volta. E até a liberação sexual hoje permite que as pessoas tenham uma vida normal sem um casamento, usufruindo da sua sexualidade e não pensando em relacionamentos sérios, e com a facilidade de ter filhos. É uma coisa natural. É preciso, no entanto, que se conscientizem de que devem tê-los mais jovens, mesmo que não seja dentro dos padrões sociais antigamente exigidos, porque sua fertilidade vai acabar. Ou deverão lançar mão da preservação da fertilidade, que é uma coisa que existe há praticamente dez anos, mas está cada vez mais eficiente e de fácil acesso a todos”, conclui.

Pré-concepção bem feita é fundamental
 
A opinião do Dr. Karam Saab é compartilhada pela ginecologista e obstetra Lenira Gaede Senesi. Professora do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná, ela afirma que o ideal é que se oriente as mulheres de que elas podem adiar a gestação, mas desde que tenham conhecimento de que tudo vai ficando mais difícil. “Hoje, para essa mulher mais precavida, existe a preservação de óvulos. Já aquela que não pensou nisso, vai ter que recorrer à doação. O principal, entretanto, é falar que elas vão sempre ter uma oportunidade, mas esse adiamento tem que ser extremamente esclarecido, porque vai ter ônus”, destaca, lembrando que o óvulo envelhece com a mulher e sofre todas as consequências da vida que ela teve. E, depois dos 35 anos, doenças do próprio trato genital podem piorar. “Então, existe uma série de fatores que, ao adiar o planejamento de filhos, vão estar dentro de um risco calculado”, alerta.
 
Dra. Lenira é autora de um estudo sobre a morbidade materna e a morbimortalidade em gestantes com idade igual ou superior a 35 anos, no qual foram avaliadas, no período de um ano, 2.377 mulheres que tiveram gestações espontâneas, com idade gestacional acima de 22 semanas ou com o peso do recém-nascido igual ou superior a 500 gramas. Dessas, excluídos 14 casos de gravidez de gêmeos, 302 estavam dentro da faixa etária citada. Os partos foram realizados na maternidade do Hospital de Clínicas da UFPR.
 
Efetuado entre os anos de 1999 e 2000, o levantamento foi precursor e verificou que essas gestantes deveriam ser consideradas de alto risco, devido à maior incidência de partos cesárea e morbidade materna e perinatal. “A conclusão foi de que, nas gestantes com mais de 35 anos, o número de partos de prematuro espontâneos, restrição de crescimento e baixo peso ao nascer foi duas vezes maior do que no grupo das mais jovens”, informa. A questão principal, segundo a médica, era saber que tipo de crianças iriam nascer. E ficou claro que essa mulher terá mais tendência também à hipertensão e ao diabete gestacional.
 
“Mas, sabendo disso, vamos desencorajar a paciente?”, indaga.
 
E responde: “não, porque não podemos mudar a mulher que vai engravidar, mas podemos mudar o resultado, ou seja, cabe ao médico obstetra orientar para a realização de um pré-natal precoce e assíduo e que essa assistência possa ser precedida de uma avaliação pré-concepcional adequada, permitindo o rastreamento de condições mórbidas, que possam interferir nos resultados materno-fetais”.
 
Ela ratifica que estamos diante de outra geração de mulheres, modificadas por novos padrões sociais, culturais e econômicos, que estão optando por ter seus filhos mais tarde. “A minha pesquisa continua atual, por ser precursora de uma análise. E, por mais que muita coisa tenha mudado nesses anos, ainda repito hoje que, se a mulher quer ter um filho em idade mais avançada, tem que estar preparada, inclusive para a prematuridade. Tudo, porém, passa pela questão da pré-concepção bem feita, com uma avaliação total, e não de desencorajar”, pontua.
 
Se for verificado que ela está em condições e não engravida, deve ser feita a investigação. Existem estudos que demonstram, por exemplo, que se a mulher estiver 10% acima do peso e perder esse percentual, engravida automaticamente. Então, somente o fato dela se cuidar pode mudar o quadro, pois melhora a ovulação. Tem o fator emocional também. “Se não for possível com esse estudo, parte-se para outras técnicas. Portanto, a pré-concepção é tudo”, finaliza.

Reprodução assistida vem aumentando no país

Dados divulgados no último mês de julho pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária mostram que a reprodução assistida vem crescendo no país. Em 2018, de acordo com o 12o Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), foram realizados 43.098 ciclos de fertilização in vitro, contra 36.307 no ano anterior, um crescimento de 18,7%. O documento também aponta que o número de embriões congelados aumentou 13,5% em relação a 2017. As informações apresentadas foram enviadas por 154 dos 180 bancos de células e tecidos germinativos cadastrados na Anvisa. 
 
As normas para utilização das técnicas de reprodução assistida são revistas pelo Conselho Federal de Medicina a cada dois anos. Com base em diretrizes éticas e bioéticas, a Resolução 2.168, editada em 2017, procurou, de acordo com o CFM, contemplar as diferentes estruturas familiares existentes e incluir questões sociais na avaliação médica para sua utilização, respeitando a autonomia do paciente e do médico. 
 
Foram editadas regras, por exemplo, sobre temas como descarte de embriões, gestação compartilhada e de substituição, além de ter sido estendida a possibilidade de cessão temporária do útero para familiares em grau de parentesco consanguíneo descendente e para pessoas solteiras.

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